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Crimes contra a honra na internet:
uma prática potencialmente viral
Todos apreciam a Internet. Com as facilidades que a conectividade proporciona, torna-se difícil viver sem a tecnologia da informação e comunicação. No entanto, como tudo no mundo, a web tem um lado obscuro caracterizado pela prática de crimes.
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Por Carolina Parente




A internet funciona por intermédio de uma rede mundial de computadores que possibilita o acesso a informações, ofertando uma extensa gama de recursos e serviços que facilitam a vida cotidiana, como comunicação em tempo real. Porém, com a internet surgiu também um terreno fértil para a prática de diversas atitudes ilícitas.
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Os crimes cibernéticos podem ser entendidos como atos de violação da lei que ocorrem na internet. Isto é, independentemente de qual seja a natureza da infração praticada, os crimes cibernéticos dependem do uso da rede mundial de computadores para que a ilegalidade do ato seja identificada.
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Na medida em que a virtualidade se torna imprescindível à vida em sociedade, a prática de cibercrimes também cresce e, ainda que o meio digital aproxime as pessoas a partir da interação pelas redes sociais, agressões e violência moral têm ocorrido com frequência nesse ambiente, gerando graves consequências psicossociais às vítimas, como suicídio, autoagressão, estresse pós-traumático e depressão.
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Segundo Samuel Silva, advogado e especialista em direito penal, atualmente é constante a calúnia, difamação e a injúria na internet, ocorrendo um crime no que antes poderia ser apenas “uma simples briga de vizinhos'', de modo que as testemunhas seriam somente aquelas poucas pessoas presentes. “Publicações em sites com muitas visualizações, esses crimes recebem uma repercussão enorme, especialmente pela facilidade de transmissão que a internet possui, podendo agravar em muito o crime realizado”, comenta o especialista.
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O advogado afirma ainda que a internet possui um fator que “inflama” a ocorrência de cibercrimes, que é o anonimato, “Isso favorece a conduta de agentes que buscam localizar e capturar imagens, vídeos ou até a prática de atos sexuais proibidas por lei, buscando na internet pela sua caracterização sem fronteiras e a não existência de leis”, explica Samuel Silva.
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Conforme Luiz Regis Prado, advogado criminalista e autor do livro “Curso de direito penal Brasileiro”, a honra pode ser entendida como a reputação de que o indivíduo desfruta em determinado meio social, a estima que outrem lhe confere; ou seja, a honra é o próprio sentimento de dignidade ou decoro. Desse modo, “a calúnia e a difamação atingiriam a honra no sentido objetivo (reputação, estima social, bom nome); já a injúria ofenderia a honra subjetiva (dignidade, decoro).”
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E, por mais que diga a Organização das Nações Unidas (ONU) que toda pessoa tem o direito à liberdade de expressão (como consta no no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos), toda e qualquer prática de crime na internet deve ser repreendida, o que pode de alguma forma limitar esse direito. “Ou seja, se o indivíduo se expressar de maneira preconceituosa, se debatendo com as leis, ele deve assumir os resultados de seus atos”, afirma Silva.
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O que a lei brasileira fala a respeito dos cibercrimes contra à honra?
No âmbito virtual, os internautas devem ter garantidos uma série de direitos, como a inviolabilidade da intimidade e da vida privada sob pena de indenização por danos materiais ou morais; inviolabilidade e sigilo das comunicações feitas pela internet; a impossibilidade de suspensão da conexão à internet, exceto por inadimplência; o não fornecimento a terceiros de dados pessoais, salvo consentimento livre e expresso; o consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais.
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Com o avanço da importância da internet ao exercício da cidadania, as leis vêm mudando no sentido de mediar o uso salutar das plataformas on-line. Nesse sentido, uma das principais legislações brasileiras para o combate de crimes nas redes sociais é o Marco Civil da Internet, Lei n° 12.965/2014. Essa jurisdição prevê princípios, garantias, direitos e deveres dos usuários da rede mundial de computadores, estabelecendo normas que regulam a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a respeito do assunto.
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A fim, então, de assegurar o direito à privacidade e à liberdade de expressão, a quebra de sigilo de dados e informações particulares só ocorrerá em caso de ordem judicial.
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Não basta mencionar uma jurisdição específica ao universo digital quando a própria constituição determina a importância da honra no art. 5º, X, tratando-a como direito fundamental: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
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Além disso, o Código Penal resguardou no Capítulo V, do Título I da Parte Especial, os crimes contra a honra, especificando-os como calúnia, difamação e injúria; veja:
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Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa [...]
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa [...]
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. [...]
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Em 2012, foi promulgada a Lei Carolina Dieckmann, a Lei nº 12.737/2012, a primeira jurisdição a tipificar crimes virtuais e delitos informáticos. O intuito da lei é garantir privacidade aos internautas, evitando que informações e arquivos pessoais sejam violados por terceiros de modo a proteger a intimidade das pessoas.
Há ainda a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei nº 13.709/2018, que ressalta inúmeros aspectos relacionados à privacidade, à liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião, à inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, aos direitos humanos, ao livre desenvolvimento da personalidade, à dignidade e ao exercício da cidadania.
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Além do que diz a lei, como se sente uma vítima de difamação na internet?
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Miguel Marques (nome mudado para preservar a identidade da vítima) conta que foi vítima de difamação nas redes sociais em abril de 2022 e que, desde então, sofre com as consequências do ocorrido.
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Depois de vivenciar um episódio turbulento no trabalho, um colega dele, que possuía mais de 70 mil seguidores no instagram, expôs o nome de Miguel, sua imagem e assinatura e realizou uma denúncia pública sem antes haver constatação de crime.
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O fato viralizou na internet e o nome de Miguel foi estampado em diversas páginas de fofoca e matérias de jornal. Em dois dias, o "rival" da vítima havia conquistado a marca de 500 mil seguidores e até famosos já haviam se manifestado sobre o suposto caso.
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Miguel comenta que precisou enfrentar um processo criminal em que se enquadra como réu após a viralização do caso. Precisou gastar fortunas com advogados e sumir das redes sociais por medo do linchamento virtual.
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No entanto, o pior, segundo ele, não é estar na “mira da justiça”, mas vivenciar os traumas psicológicos decorrentes da violação de sua privacidade. Com seu nome na boca do povo, passou a ter medo de trabalhar e de sair na rua, já que temia ser reconhecido pelas pessoas. “Só saia de casa de máscara, óculos escuro e boné. Não olhava nos olhos das pessoas por medo”, revela.
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Desestabilizado psicologicamente, iniciou a psicoterapia e foi diagnosticado com síndrome do estresse pós-traumático (SEPT). Passou ainda a tomar medicação psicotrópica (normalmente receitados para quem tem transtorno da mente divida, ou esquizofrenia) para dissimular o pavor que sentia só de imaginar estar sendo perseguido.
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Além disso, foi constatado que Miguel estaria sofrendo também de depressão. Com o trauma vivenciado, falta-lhe forças para fazer tarefas básicas do cotidiano, como tomar banho e escovar os dentes. “Dormia muito e continuo chorando muito”, expõe.
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Durante todos esses meses, a única constante na sua vida foi o pensamento suicida. “Queria acabar com o sofrimento”. Mesmo assim, tem enfrentado com a ajuda de familiares e profissionais essa etapa da sua vida que ele chamou de “pesadelo”.